13 de mar. de 2012

veronica rodrigues (em memória)

Algumas horas atrás faleceu alguém cuja importância e influência na minha vida é incalculável: a arquiteta Veronica Rodrigues, filha do mestre Sergio Rodrigues. A surpresa dessa notícia tão triste me levou a escrever isto que, espero, seja uma homenagem à altura dela.

A Veronica me ensinou como são cheios os espaços do mundo: de objetos, presenças, narrativas, presentes, pessoas, histórias. Sua paixão pela cotidianidade da vida sempre me constrangeu – eu com a minha mania de grandeza, como se a arquitetura (e por conseguinte toda realização humana) que importava fosse a da grande escala.



Mas era justamente nas coisas do dia a dia que a Veronica mostrava o quão generosa, o quão “peito-aberto” era. Dos espaços de uma casa, acho que seu favorito era a cozinha. Lembro do screensaver de seu computador: uma sequência de fotos de comidas (suculentas) que ela recolhia na internet. Uma das aulas de seu curso de interiores na PUC-Rio era uma visita a uma feira, seguida de anotações sobre texturas e cores.

Apesar da minha insistência, ela nunca fotografou decentemente nenhuma obra sua. As incontáveis reformas de apartamentos e as casas belíssimas que projetou, esses espaços que eu vi com meus olhos, vão ficar na minha memória. Visitar uma reforma do escritório, por exemplo, nunca era algo trivial. Lembro de seu entusiasmo ao me mostrar o “pedaço de mar” entre dois prédios, visto de um apartamento no Arpoador. Nunca vi ninguém levar tão a sério uma reforma – para ela, a casa era mesmo o lugar no mundo de uma pessoa.



A Veronica me encorajou a seguir em frente numa das maiores decisões da minha vida: a de não ser um “arquiteto praticante”. Me apresentou o escritor Lobo Antunes em sua dissertação, e como ela via a arquitetura escrita nas crônicas dele. Saí do escritório após nove meses de estágio, alegando que estava então pronto para “nascer”. (Ela sempre dizia, rindo, que a coisa toda foi culpa da minha experiência lá, que eu tinha ficado traumatizado e por isso estava largando a “prancheta”...) Depois que vim pra São Paulo, nos falamos menos, mas o carinho enorme que eu tinha por ela permaneceu intacto.

Uma de suas citações preferidas do Lobo Antunes era esta: “Nós somos casas muito grandes, muito compridas. É como se morássemos apenas num quarto ou dois. Às vezes, por medo ou cegueira, não abrimos as nossas portas”. Ela abriu as portas, sorte a nossa; não teve medo. Não era uma mansão (nunca poderia ser), mas uma casa de portas coloridas e de madeira, cores quentes, a mais aconchegante de todas as casas.

Mas hoje a sala está vazia e falta você, Veronica, para preencher os espaços com sua irreverência deliciosa, deixar a bagunça acontecer, falta você pra conversarmos até muito depois do fim do expediente ou irmos de carro visitar uma obra em Itaipava – você não cansava de se impressionar com a beleza daquela estrada. Falta sua presença de espírito, sua coragem transformadora.

Obrigado por tudo isso.


–Miguel Del Castillo

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