1 de mai. de 2011

EDIFÍCIO ESTRELA

"Eu li – logo vou avisando – que os verbos bin, ou ser, e bauen, construir, eram um só no alemão arcaico. Eu li. Digamos, por uma questão de prudência, que ambos têm apenas a mesma origem etimológica, mas arcaica ainda, ou, enfim, são aparentados de alguma forma distante (no mínimo, têm menos de seis letras e começam com b, e para o leigo isso já implica semelhança que chegue). Sem falar na mistura básica entre ser e estar.

É um carma, uma existência inescapável, dinâmica e mutuamente determinante entre o entorno, a casa e a pessoa. Seja para o marginal sanguinário, cercado de metralhadoras no último barraco do morro, ou para o corrupto federal, peidando dinheiro numa cobertura maravilhosa, o carma vale. Aplica-se ao povo brasileiro, cujos extremos da pirâmide social acabei de citar, mas é sem dúvida um fenômeno humano.

Aparece em conjuntos decorativos, explicitado, ou em pequenos detalhes, nas desimportantes seleções cotidianas, quase imperceptíveis; por exemplo a ordem dos livros numa prateleira. Surge nas sombras, no efeito da lâmpada que acende e apaga, nos propósitos arquitetônicos, nos limites humanos, na filosofia de vida, no espírito da época. É um trânsito sutil, lento e poderoso.

Não por acaso, para mim e Virgílio, todo o bairro de Ipanema nasceu à luz do prédio onde morávamos. Prudente de Moraes, 765, entre Montenegro e Joana Angélica. A cidade e o mundo vieram depois. Não por acaso, também, o Estrela de Ipanema impregnou-me de sua urgência vital. Defendia a linha reta como a melhor maneira de unir dois pontos. Jamais como separadora de planos. [...]

O Estrela de Ipanema também afetou bastante a Virgílio. Chego lá."


[Rodrigo Lacerda, Vista do Rio. São Paulo: Cosac Naify, 2004, pp. 14-15. A referência é ao edifício Estrela de Ipanema, projetado por Paulo Casé em 1970.]


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